O rapaz, de no máximo 25 anos, entra pela porta que divide os vagões do trem:
— Olá, pessoal, tô aqui pedindo uma ajuda de vocês pra comprar uma mercadoria nova pra vender, porque o segurança levou a que eu tinha lá na primeira estação… É sério, pessoal, não tô querendo enganar vocês, não. Eu perdi toda a minha mercadoria. Tenho três filhos em casa que precisam comer. Uma ajuda pra comprar mercadoria nova… Uma ajuda… Qualquer dez centavos…
Ele vai até o fim do vagão e volta, agitando nas mãos algumas moedinhas. Desiste — deste vagão vazio não vai sair muita coisa — e senta-se em um dos bancos, de frente para dois meninos que já estão ali há algum tempo. O menor deve ter uns sete anos; o maior, dez.
O garoto menor olha para o rapaz e sorri:
— E aê?
— E aê, menor! — o rapaz responde. — Que que cê tá fazendo aqui?
— O mesmo que você! — o menino alarga o sorriso, orgulhoso.
— Vendendo?
— É.
— Faz isso não! Cês têm é que ir pra escola, estudar, pra depois ganhar bastante dinheiro, ficar rico…
— É que a gente tá de férias…
— E cês passaram de ano?
— Aham…
— Mas passou empurrado, né?
— Não foi empurrado, não! – diz o menino mais velho. – Tô no quinto ano agora.
— Quinto ano! Não para, não, hein. Vai estudando… Tem que estudar pra ganhar dinheiro! Porque isso aqui não é vida, não. Um dia cê ganha e no outro cê perde… Olha eu aqui! Tomaram minha mercadoria… E cadê o pai e a mãe de vocês? Cês tão sozinhos?
Eles fazem que sim com a cabeça.
— Fica esperto, menor! Fica esperto! Que se os hómi pegam vocês, levam pro juizado… Fica esperto! Vai pra casa! — ele olha para os pés do menino menor. — E por que cê tá descalço? Não tem sapato, não?
— Não. E esse tênis aí? Vou comprar um igual…
— Isso aqui é falsificado — o rapaz se levanta. — Não cai nessa vida, não, menor!
Ele desce na estação seguinte, enquanto os meninos se escondem, rindo, debaixo de um banco. Na plataforma lá fora, homens de uniforme marrom e boina passam rentes à janela.
As portas se fecham, o trem sai. A pequena dupla se levanta e comemora, pulando e se pendurando nas barras de metal:
— Vixe! Quase que pegam a gente!
O garoto de dez anos corre até a porta e encosta a bochecha no metal. Assopra e vê um pedaço do vidro se embaçar.
— Já é a próxima que a gente desce, né?
— É. Mas eu não quero ir pra casa, não.
[FLÁVIA SIQUEIRA]
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