— Acho que eu tô tão atrasada que eu sou do tempo da zagaia de gancho.
— O que é zagaia de gancho, dona Elza?
— Ó, eu ouvia os caipiras lá da roça falando quando achava que era muito véio, que não ia com as coisas de hoje, mas eu mesmo não sei.
Meu pai pega o celular e descobre imagens da tal zagaia de gancho. Mostra para dona Elza, minha avó, que não esconde a surpresa:
— Agora que eu fiquei sabendo. A gente fala as coisas e não sabe, se fosse um palavrão feio…
E ela explica, para mim, o que viu:
— É feito um naviinho, daquele que… na água, mas não aqueles grandão, aqueles pequenininho, quadradinho, amarradinho, é feito uns esgueio. Acho que toca, na água, não sei. Chama zagaia de gancho.
Entendeu? Em outras palavras, e menos estilo, a Wikipedia explica que é uma lança curta e delgada usada como arma de arremesso para a caça ou pesca. Os registros sobre o uso da expressão que encontrei eram poucos, mas ao que tudo indica, a zagaia (ou azagaia) de gancho era uma ferramenta muito utilizada pelos indígenas brasileiros e também por outras pessoas desde o período colonial. Provavelmente daí vem sua associação ao que é antigo, de outros tempos.
Mas as explicações difundidas pela internet vão ainda mais longe. Na Serra da Canastra, em Minas Gerais, contam que havia um pouso de tropeiros em que o dono escondia uma zagaia no quarto e lançava-a no meio da noite contra os hóspedes que dormiam. Em seguida roubava suas posses. Mas contam também que as maldades tiveram fim com um destino trágico para o dono da pousada (conheça a história completa aqui).
Outra versão dizia que zagaia era uma corruptela de “H’s” e a expressão se referiria, assim, ao tempo em que as palavras eram escritas com ph (como pharmacia).
A expressão era tão conhecida que na música Couro de boi, composta por Palmeira e Teddy Vieira e gravada por diversos cantores caipiras, encontramos a referência a um ditado “do tempo do zagais”. Seria uma referência ao tempo dos Hs? Da zagaia de gancho? Ou ao destino trágico dos hóspedes da fazenda na Canastra?
Novos tempos
— Internet, celular… acha tudo, não, Marina? Nossa, como evoluiu as coisas. No meu tempo, quando apareceu o avião o povo tinha medo, falava que era assombração. Eu não achava nada, mas alembro. As coisas evoluiu totalmente.
— E o que a senhora acha disso?
— Uai, é bom! Que era muito atrasado. A gente falava de estudar, meu padrasto falava: “bobagem, para que estudar? Mulher não precisa aprender a ler”. Já pensou que ignorância!
Pensando bem, do alto dos seus 93 anos, dona Elza não é do tempo da zagaia de gancho, não.